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Não tão distante da capital Maceió, a apenas 5km da turística e badalada Barra de São Miguel, pessoas vivem em comunidade num paraíso desconhecido pela maioria dos alagoanos. Um lugar que vem ganhando notoriedade pelo cultivo de ostras, produção de própolis e, mais recentemente, pelo turismo.

 

Embarque nessa viagem pela vila e conheça um pouco dessa gente.

Por Alice Renise, Laís Padilha e Rayssa Tenório

Passando a entrada da Barra de São Miguel, antes da ponte da praia do Gunga, há um tímido acesso a uma estrada de barro. A trilha é rodeada pela diversidade da Mata Atlântica, uma das florestas mais ameaçadas do planeta. No caminho, quem se aventurar entrando um pouco na mata encontrará nascentes de água pura e cristalina. E esses são só alguns dos privilégios do Povoado do Mangue, mais conhecido como Vila Palateia.

 

A Palateia está localizada na Reserva Biológica da Lagoa do Roteiro, e faz parte da cidade da Barra de São Miguel, não do município de Roteiro, como muitos acreditam e pareceria mais óbvio.

 

A reserva ambiental de 748 hectares, além de contar com a abastança proporcionada pela Mata Atlântica, tem a vegetação dos três tipos de mangues existentes na natureza: Mangue-branco, Mangue-vermelho e Mangue-preto. Esse bioma costeiro e úmido é essencial para o equilíbrio ambiental e manutenção da vida marinha. Isso porque ele abriga uma enorme biodiversidade e é um verdadeiro berçário para várias espécies. Mangues são abundantes em nutrientes decorrentes de matéria orgânica em decomposição, tornando-se o ecossistema ideal para peixes, moluscos e crustáceos se alimentarem e reproduzirem.

 

Toda essa fartura natural que cerca o local vem chamando a atenção de gente Brasil afora, e traz novos caminhos para esta comunidade tão humilde e, ao mesmo tempo, tão rica.

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Tudo começou com os índios. “Palateia”, dizem os antigos, era o nome de uma índia. A população da região é formada por remanescentes quilombolas e indígenas. “A gente teve o privilégio de ter o sangue dos guerreiros Caetés”, contou Daniel Brasil, um dos guias nos passeios pelo vilarejo e morador da Barra de São Miguel há 20 anos. Esses índios, explicou Daniel, habitavam do Cabo de Santo Agostinho (PE) à Foz do Rio São Francisco.

 

“Aconteceu uma tragédia com todos os nossos índios”, afirmou o ambientalista. No naufrágio da embarcação Nossa Senhora D’Ajuda, o bispo que trazia os índios foi capturado e aconteceram dois rituais de antropofagia: o primeiro, na beira da praia e o segundo, no local onde foi encontrada a imagem da padroeira da Barra de São Miguel, a Nossa Senhora Santana. A partir daí, a igreja católica decretou uma guerra santa e os índios foram exterminados.

 

Daniel Brasil, além de mostrar as belezas da reserva, apresentou à equipe de reportagem as maiores personalidades da vila. Uma delas é Dona Lourdes, maricultora, apicultora e proprietária do único restaurante da região.

 

Simpática e eloquente, ela nasceu em uma fazenda perto de São Miguel dos Campos (AL), e foi com a família para a Palateia com apenas um ano de idade. Aos 54, revelou que não se sabe desde quando o Povoado do Mangue existe, e que quando chegou lá, só havia 3 barracos de pau a pique. Inclusive, há 20 anos, só existiam 7 casas ali.

Maria de Lourdes Paulino dos Santos, mãe de 4 filhos dos quais fala com orgulho, veio de uma família bem simples de agricultores que cortavam cana e limpavam o mato das fazendas. Eles saíram sem rumo, de canto em canto, até que pararam no lugarejo. Segundo ela, a beira do mangue acabou sendo refúgio para pessoas muito pobres que não tinham onde morar. Depois de alguns anos, seus pais ficaram, e ela, ainda pequena, mudou-se para a Barra de São Miguel, onde foi educada por outros familiares. Ao ser questionada a respeito de sua desenvoltura para falar, contou que cresceu rodeada de professores.

De volta somente aos 34 anos, durante um tempo, a maricultora cadastrou em um caderninho, junto com tudo o que sabia da Palateia, o número de famílias residentes no povoado, que somente foi oficialmente reconhecido em cartório em 2006.

 

Dona Lourdes mostrou saudosa as páginas que continham também poemas, desenhos e  histórias da comunidade. E confessou que parou suas contagens porque não tinha mais paciência para fazê-las. Em seu último registro da população, feito em 2010, havia 343 pessoas. Hoje, crê que sejam quase 500.

O Caderninho - Dona Lourdes
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Ruas de barro, casas de taipa, barracos beirando o mangue e poucas residências de alvenaria compõem a estrutura da comunidade. A vida é simples, mas rica de natureza, como afirmam os próprios nativos da Palateia. Apesar de todo o sustento ser produzido no local, a infraestrutura e a assistência à comunidade ainda são precárias.

 

O povoado não tem posto de saúde, nem mesmo um acompanhamento médico para as famílias. Quando é preciso, os moradores se deslocam da vila até a Unidade de Pronto Atendimento (UPA), na Barra de São Miguel. A segurança também é um ponto fraco. Por ser um local de difícil acesso, dentro da mata e sem nenhuma assistência policial, alguns casos de violência já foram registrados. A escola que existe está funcionando apenas como uma creche para crianças de até 5 anos. Em teoria, deveria funcionar como uma instituição de ensino para alunos cursando até o 5° ano.

 

Em 2016, de acordo com os moradores, a Prefeitura da Barra de São Miguel apresentou um projeto que levaria todos para o Alto da Barra e “destruiria” a comunidade para construir um resort de luxo. Cerca de 40 famílias ainda chegaram a sair da comunidade, mas a maior parte dos moradores, que dependem do mangue e da lagoa para tirar o sustento, recusou a mudança. Correu, então, um processo na justiça e a comunidade ganhou. Depois disso, a prefeitura construiu algumas casas de alvenaria lá mesmo, na reserva, para substituir as de pau a pique.

 

Mesmo com todos os problemas de infraestrutura, dona Bastinha, que nasceu e se criou na vila, diz que a vida no local é feliz. “Aqui nós temos tudo. Temos a pesca, as ostras, os turistas que saem todos felizes e o que não falta é trabalho. A gente vive de barriga cheia”, revela.

 

Sobre as dificuldades encontradas na comunidade, as autoridades responsáveis foram questionadas, inclusive, sobre o projeto de construção do resort na reserva. Mas até o fechamento da reportagem, não tivemos retorno da Prefeitura da Barra de São Miguel.

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Na Palateia, o relógio não tem ponteiros, nem números: o tempo é marcado pela maré. E para quem cultiva ostras, a hora de trabalhar é quando ela baixa, mostrando as mesas. Os maricultores saem de casa quando a água está em um nível que ainda dá para navegar, e remam entre a vegetação do mangue, até chegarem ao cultivo.

 

A vila é hoje responsável por 80% da produção de ostras do estado de Alagoas. O molusco sempre foi parte do sustento daquela região, no entanto, a ostreicultura passou a ser a principal fonte de renda da maioria dos habitantes depois de receberem o apoio do Sebrae e do Banco do Nordeste, por meio do Programa Ostras Depuradas de Alagoas, em 2002.

 

O projeto viabilizou uma forma de acabar com a extração natural das ostras, passando a cultivá-las com a elaboração de mesas que foram projetadas para ficarem na lagoa. Segundo Manoel Ramalho, consultor do Sebrae e gestor do projeto na época, foram ensinadas as técnicas do cultivo aos pescadores e marisqueiros, e entregues as mesas de PVC por meio de doação da empresa Eletrobrás - hoje, Equatorial Energia -, parceira do projeto. Nesse período, fundou-se também a Associação de Maricultores Paraíso das Ostras. Antes desse suporte, o processo era bem mais complicado. Era preciso retirar as ostras das raízes do mangue e separar apenas o filé para vender. Não havia a venda das ostras in natura, isto é, ao natural, dentro das cascas.

Agora, é tudo mais simples. O primeiro passo é encontrar ostras ainda pequenas no mangue. Em seguida, elas são colocadas nas mesas para que, 3 a 4 meses depois, desovem e se reproduzam. Isso acontece quando a ostra macho solta espermatozóides na água, fecundando os óvulos das fêmeas. Logo, a fêmea expele as larvas que chegam às mesas de criação e às conchas de ostras. Sendo assim, as ostras devem ser separadas para que se desenvolvam. Também é indispensável separar as pequenas das grandes, para que “engordem” até o tamanho ideal.

 

Por causa das águas quentes, o Nordeste tem um dos ambientes mais favoráveis para a criação de ostras. E, pelo mesmo motivo, o verão é a estação mais fértil para a reprodução. A própria água da lagoa tem os nutrientes necessários para o desenvolvimento das ostras. O que os maricultores precisam fazer é o acompanhamento, limpeza e separação delas. Desse modo, o trabalhador praticamente não tem gastos. Basta ter luvas, facão e “sapatos” feitos por eles mesmos com tecido que cubram dos pés à metade das pernas para não se cortarem.

 

A extração predatória é combatida na Palateia. Os moradores amam a natureza que os cerca e entendem a importância de preservá-la para sempre encontrar nela, o seu sustento. Maria Sebastiana da Conceição, a Bastinha, fala com orgulho do lugar: “tudo que a gente quer, aqui, a gente tem. Nasci e me criei na Palateia, e no meu ponto de vista, não tem lugar melhor”.

 

 

De acordo com Dona Bastinha, que é uma das mais antigas moradoras do povoado e uma das líderes da comunidade, a Associação de Maricultores Paraíso das Ostras somente foi registrada em 2006. Cerca de 32 famílias são associadas e vendem a dúzia de ostras para restaurantes por 35 reais. Já nas vendas para a cooperativa, feitas em grande quantidade - cerca de 200 dúzias por mês -, uma ostra sai por 1 real.

 

Um fato curioso é que os associados pagam um vigilante para garantir que as ostras não sejam saqueadas enquanto os maricultores não estão no cultivo. José Agnelo fica numa palafita no meio da lagoa, bem pertinho das mesas, dia e noite. Sai de lá quando a maré está cheia e volta quando começa a secar. Não há um rodízio de vigilantes porque ele escolheu assim. “Ele não aceita porque se as ostras desaparecerem, podem dizer que foi o vigia da noite ou o da manhã. Ninguém vai saber quem foi. Então, ele prefere trabalhar sozinho,” contou dona Lourdes.


Segundo os moradores, o suporte do Sebrae, que ainda se reúne com os associados, também incentivou o turismo e só trouxe melhorias para a comunidade.


Falando em turismo, hoje, na Palatéia, podem-se ser encontradas diversas rotas turísticas, como o Passeio do Pôr do Sol, o Passeio da Bica, a Turminha da Selva, a Trilha do Sambaqui e o Passeio dos Famosos. Este último é o responsável por levar os turistas até às mesas de cultivo, onde podem desfrutar das saborosas ostras in natura. E os famosos não ficam só no nome. A Palatéia já recebeu várias personalidades do Brasil e quiçá, do mundo. Não se sabe ao certo quem já passou por lá, pois muitas celebridades aproveitam o isolamento e paz do lugar para viverem algumas horas de anonimato, mas atrizes da Rede Globo como Marina Ruy Barbosa, Bruna Marquezine e Cléo Pires, por exemplo, já estiveram no local.

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Já ouviu falar em ostra com mel? Própolis vermelha? A primeira é uma iguaria gastronômica que só é encontrada na Palateia, e a segunda serve como objeto de estudo científico fora do Brasil. A comunidade não se ateve apenas ao cultivo das ostras, e percebeu na produção de mel e da própolis vermelha uma nova oportunidade de empreender e gerar renda.

 

Tudo começou quando Antônio Ramos, morador da vila e o principal apicultor da região, saiu da Barra de São Miguel para morar na Palateia, levando consigo um pouco do conhecimento sobre apicultura. Além de ser pioneiro na atividade, Ramos pesca e cultiva ostras. Atualmente, ele é quem lidera as 20 famílias que cultivam mel e própolis na região.

 

Durante o processo de implantação da apicultura, os moradores receberam o suporte de Mário Calheiros, um grande apicultor do Estado, que realizou cursos de especialização na área. E a história não parou por aí.

 

Em 2007, um grupo de ambientalistas japoneses realizou estudos nos mangues da reserva, com o intuito de descobrir formas para eliminação de bactérias. Durante a pesquisa, foi descoberta uma planta chamada rabo-de-bugio, encontrada na beira dos manguezais de Alagoas. A planta é responsável pela coloração e pelas propriedades da própolis vermelha, material muito raro que despertou o interesse dos asiáticos. Foram investidos três milhões de reais no decorrer de toda a pesquisa.

 

A própolis vermelha é uma substância rica em compostos para uso medicinal. Em ação, ela é ativada como um antibiótico natural e tem uso antibacteriano, antifúngico, antiviral, antiinflamatório e serve para tratamentos de câncer e asma. Dona Lourdes conta que apenas algumas gotinhas da própolis podem curar feridas, tratar gripe e algumas alergias. O gosto e o aroma são fortes por conta do álcool que é usado na produção. Um quilo da substância chega a valer 800 reais. Mas o custo não é baseado apenas nas propriedades da própolis, e sim, em toda a dificuldade do processo de extração.

 

O cultivo é feito dentro da mata fechada, longe das moradias. A abelha responsável pela polinização é a italiana africanizada. No momento de extração, sempre é deixado 30% do mel nos quadros, para que a abelha não vá embora. No caso da produção da própolis vermelha, as abelhas retiram uma seiva que existe na planta rabo-de-bugio para construir uma proteção ao redor do ninho, como também é chamada a colméia. Essa proteção é a própria própolis vermelha, que é mais dura de ser retirada, exigindo força do apicultor e a transformação dela em extrato. Todo esse processo dura 40 dias, e são necessárias 10 colméias para a produção de um quilo da própolis.

 

“O nosso forte não é o mel. É a própolis vermelha, por ser muito procurada e ter uma lucratividade melhor pra gente. Ela rende até mais que a produção das ostras, apesar de ser um trabalho mais pesado”, explica Ramos. “O mel aqui da região também é conhecido como mel vermelho, porque quando a abelha entra na colméia, ela acaba levando nas patinhas um pouco da própolis vermelha”.

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Bastinha passou toda a vida na Palateia. Começou a trabalhar aos 9 anos, pegando ostras, sururu, caranguejo e siri no mangue. Com a criação da Associação de Maricultores Paraíso das Ostras, passou a ter na ostreicultura sua principal fonte de renda. Mas Bastinha, que tem a inquietude típica de uma líder, há 10 anos tornou-se também apicultora, e é no trabalho com as abelhas que ela foca na baixa temporada de ostras - de setembro a fevereiro -.

 

A mulher forte e batalhadora, que tem a humildade estampada nos olhos e forma de falar, ainda foi pioneira nos passeios turísticos do povoado, com os quais segue envolvida. “Eu gosto porque o turista quando vem aqui não sai triste. Ele sai alegre”, diz.

 

Não bastasse isso, Bastinha foi a inventora de uma iguaria da região: ostra com mel. Parece esquisito, e não é todo mundo que gosta, mas quem chega lá quer provar. A ideia surgiu durante uma entrevista para Álvaro Garnero, empresário e apresentador do programa de televisão “50 por 1”, que era exibido pela Rede Record, enquanto passeavam de canoa. Ele, sim, aprovou o prato. Veja no vídeo.

 

 

Outra mulher que é modelo de força e empreendedorismo na comunidade é Dona Lourdes. Ela, que também não para quieta, é maricultora, apicultora e enxergou no turismo uma oportunidade da qual ninguém se propôs a tomar a frente: abriu o único restaurante da reserva. A senhora percebeu que não havia onde os turistas pudessem comer na vila. Conversou com os membros da Associação, mas ninguém teve interesse. E mesmo sem gostar de cozinhar, abraçou o desafio.

 

No espaço atual, Lourdes usa seu maior talento: arrumar, mudar as coisas de lugar o tempo todo e deixar tudo mais bonito. Com materiais simples, seu olhar mágico e uma criatividade voltada à sustentabilidade, transformou o restaurante em um local lindo e extremamente rico nos detalhes.

 

As conchinhas estão em todas as partes: no chão, nas paredes de taipa e no dizer “Bem-vindo” na entrada. As cascas de ostras, nos enfeites. As cadeiras e mesas são de madeira, essas cobertas por panos floridos e cheios de cores. Há também um espaço reservado para a lojinha de sandálias, pulseiras e colares feitos por sua filha, Alessandra. Dos cardápios, todos levam uma foto. Isso por que o Menu foi pintado a mão em telhas.

 

Ah! A apresentação dos pratos não perde em nada para restaurantes finos e caros, e o maior sucesso fica para o caldinho de ostras, sugestão de Bastinha que virou receita secreta nas mãos de Lourdes.

Dreads soltos, um bronze avermelhado, cara de 40 e poucos anos, brinco na orelha e várias tatuagens pelo corpo. Essa é a imagem que você terá quando Daniel Brasil caminhar na sua direção. Cheio de ideais, lábia e histórias para contar, ambientalista e “contra o sistema” - palavras dele -, o maceioense e barrense de coração que largou a vida repetitiva da cidade para estar perto da natureza é um genuíno empreendedor da sustentabilidade e do ecoturismo.

 

“Natus” ou “Brasil”, como é conhecido na Palateia, é um defensor e apoiador da comunidade e tem o respeito de todos. Com seu jeito e aparência peculiares, bem hippie, pode-se assim dizer, foi essencial para os momentos vividos na reserva e, por isso, tornou-se um “capítulo” que merece destaque.

 

Ele, que já fez de tudo - até agente funeral o homem foi -, teve a coragem que a maioria das pessoas morre sem alcançar: largou os conceitos do senso comum e a profissão que detestava para fazer o que ama. Para Natus, é necessário abdicar do consumismo: “o sistema te joga dentro de uma roda-gigante, e essa roda-gigante não para. Ou você pula, ou se ferra”.

 

Amante da natureza desde que se entende por gente, aventurou-se pela primeira vez, ainda rapaz, quando decidiu conhecer a Amazônia. Morou em Porto Velho (RO) em 1996 e 1997, época em que também esticou para a BolÍvia, mas a maresia o chamou de volta. Isso faz lembrar que o ambientalista conhece todo o litoral alagoano e boa parte do Nordeste do país, sempre buscando os lugares mais secretos.

 

Daniel, que chegou na Barra de São Miguel em 2000, seguiu trabalhando nos mais diversos setores, até “se libertar”, como afirmou. Formado em Ciências Contábeis, seu último cargo foi de sub-gerente de uma grande loja de artigos domésticos em Maceió, trabalho que deixou no final de 2012.

 

Mas, mesmo antes disso, em 2010, ele começou a planejar o “Natu´s Hostel”, voltado para a realização de trilhas e passeios ecológicos, que virou realidade em 2012. A hospedagem é aconchegante e prega a natureza, o sossego e a sustentabilidade em cada detalhe.

 

Em seguida, veio o projeto Aventura EcoBrasil, que faz passeios turísticos sustentáveis e com rotas inéditas por todo o estado. Atualmente, a empresa é a principal produtora de turismo personalizado de Alagoas. Foi Daniel Brasil quem desenvolveu junto com Bastinha o “Passeio dos famosos”, no qual o intuito é fazer as pessoas resgatarem o contato com a terra e receberem o aconchego dos nativos.

 

Falando nisso, estar com Daniel na Palatéia, a pé ou dentro do carro, é como estar com uma celebridade ou um político. Ele sai cumprimentando todo mundo, e faz questão de se inteirar sobre a vida de cada morador com quem fala, participando ativamente da rotina da comunidade. Inclusive, a Casa de Cultura do Povoado do Mangue, espaço para reuniões, foi fruto da doação de materiais do Aventura EcoBrasil.

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Daniel, Rayssa e Laís na trilha
Laís remando na canoa
Rayssa tirando fotos na lagoa
Alice tirando fotos
Laís tirando água da canoa
Laís sorrindo sentada na canoa
Laís tomando mel
Alice bebendo água da nascente
Pés de Laís, Alice e Rayssa na lama
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Laís segurando o caranguejo
Alice, Laís e Rayssa
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Laís segurando o caranguejo
Alice de costas, tirando foto

Encontramos Brasil no Natu´s Hostel, e fomos de carro à reserva. O caminho inteiro aprendendo. Porque conversar com Brasil é um aprendizado constante, seja sobre o meio ambiente ou como levar a vida de um jeito mais leve. Em uma parada rápida, descemos a pé um pouco na mata, ainda na estradinha de barro que terminava na comunidade, onde provamos água direto na nascente.

 

No povoado, a visão típica de lugares mais interioranos e humildes aqui no estado: casas bem simples, gente conversando na porta de casa ou tratando mariscos e pescados, e crianças brincando na rua. Fomos apresentadas a algumas pessoas e seguimos para o mangue.

 

Pés descalços, e lá vamos nós querendo ver de perto e sentir na pele tudo que o Brasil mostrava. Assim, quando ele apontou um olho d´água, a mais desastrada

de nós adentrou no mangue, escorregou e teve seus primeiros cortes nos pés.

Sujas de lama, foi o momento de nos sujarmos mais, aprendendo a tirar o

sururu de gaiteira direto das raízes do mangue. “Vou lhes ensinar a

sobreviverem se forem largadas em um manguezal”, brincou.

 

De volta ao carro, que estava parado às margens do mangue, encontramos

Júnior Bispo, uma pessoa cuja humildade e pureza nos marcaram.

Cortador de cana no município de Roteiro, estava ali buscando caranguejos

para complementar sua renda. Pedimos para fotografá-lo e ele se acanhou.

Sem saber que queríamos mostrar seu trabalho, disse que era melhor nós mesmas posarmos com os caranguejos e nos ensinou a segurá-los.

 

Conversamos um pouco e quando nos despedimos, Júnior insistiu para que ficássemos com todos os caranguejos que havia pego. Claro, não aceitamos, mas a insistência foi tanta que nós 4 tivemos que ficar com um para cada.

 

Logo, fomos ao restaurante de Dona Lourdes, que parecia um pouco arredia no começo, mas ao final, fez-nos sentir em casa. Lá, também conhecemos sua filha, a atenciosa Alessandra, 22, guia nos passeios de canoa, atendente do restaurante, funcionária num pólo gastronômico na Barra de São Miguel, à noite, e proprietária da própria lojinha de artesanato. Trabalhadeira e empreendedora como a mãe!

 

Ficamos na Palatéia até o final da tarde, tomando o tempo da Dona Lourdes, que se divertia com o fato de que gravávamos áudios de quase tudo que ela falava. “Vocês têm que gravar tudo na cabeça, meninas”. Quem dera conseguíssemos armazenar tanta informação.

 

Infelizmente, não pudemos fazer o passeio naquele dia. A maré estava tão

seca que não permitia a saída da canoa da camboa. Aproveitamos para

gravar em vídeo o depoimento de Dona Bastinha; visitamos a

associação, onde, por coincidência, encontramos o seu atual

tesoureiro e futuro presidente, Nailton da Conceição;

conversarmos sobre apicultura com Seu Ramos, Seu Manoel e

Dona Maria; e ainda conhecemos uns meninos que deveriam ter,

no máximo, uns 5 anos de idade, e brincavam com um jacarezinho

feito de esponja, pendurado em uma vara proporcional ao tamanho

deles, deleitando-se como se estivessem com o melhor brinquedo do

mundo.

 

Retornamos à vila no dia seguinte, no horário em que Dona Lourdes disse que estaria saindo de canoa e com horário limitado para voltarmos à Barra, porque Brasil tinha um compromisso. Mas, chegando lá, soubemos que a maré estava cheia e ficamos desapontadas. Sabíamos que não poderíamos ver as mesas de cultivos de ostras, mas decidimos ir mesmo assim.

 

Fizemos a trilha a pé com o Brasil e encontramos Mariana na camboa. Passando pelo mangue, dono de uma beleza estonteante, hora de navegarmos pela lagoa, cercados por um verde vivo, ouvindo o canto dos pássaros, e vendo

garças voando bem pertinho da gente. De barulho, só o nosso.

 

Depois de fotografarmos um pescador de rede, paramos em uma

ilha onde estavam alguns maricultores dentro de suas canoas,

um deles era Josuel, filho de Bastinha, com quem já havíamos

esbarrado anteriormente. Chegou o momento de mergulhar.

E “a desastrada”, que é apaixonada por água, não aguentava

mais esperar por aquilo. Perguntou à Mariana como deveria sair

da canoa sem correr o risco de virá-la. Mas a ansiedade sequer permitiu

que ela esperasse a resposta até o fim. Saltou enquanto Mariana dizia:

“Meu Deus, essa menina é doida”. Rimos e percebemos que ela havia se cortado

de novo. Todas nadamos para longe da canoa, onde só se podia escutar a

própria respiração, o som dos movimentos que fazíamos na água, e uma

brisa suave que batia, às vezes.

 

De volta à ilha, os maricultores nos deram ostras com limão

e foi difícil parar de comer. No percurso de regresso à camboa,

esbarramos com Seu José, o vigia das mesas, que nos

cumprimentou de sua canoa. “Não tirem foto. Vou queimar o

filme de vocês”, gracejou.

 

No restaurante outra vez, provamos o caldinho de ostras de Dona

Lourdes - que já havia nos dado a oportunidade de degustar mel,

própolis e cocada - e com ela, fomos à camboa. Quando foi tirar

água da canoa, pois estava se preparando para ir ao cultivo, a

nossa atrapalhada preferida se ofereceu para ajudá-la. Foi até

canoa, satisfeita em poder fazer algo por ela como

agradecimento, e acabou caindo numa parte movediça da lama,

onde a perna direita entrou até a metade, causando gargalhadas

em todos. Após a mãozinha, Dona Lourdes pegou algumas

ostras para provarmos com mel, e podemos garantir que a ideia

de Dona Bastinha é uma delícia!

 

Hora do compromisso de Brasil e todos se apressaram para o carro, menos uma de nós, que, distraída, fez todos esperarem enquanto conversava com Alessandra. Chegou para escutar de Daniel: “Você é que nem menino, né? Só vai pegando pelo braço”. E essa foi a nossa última grande lembrança dessa aventura que nos fez perceber o quanto deixamos de lado algo que é tão essencial quanto viver em comunhão com a natureza, e que existe muita gente boa por aí, espalhada pelos lugares onde menos esperamos.

 

As ostras da Palatéia não desenvolvem pérolas porque para iniciar o processo de produção, elas precisam ter sido feridas por parasitas ou substâncias indesejadas, o que não ocorre em cultivo. Mas lá, encontramos um tesouro muito maior e ainda mais raro: sua gente.

Era uma vez, três crianças de 20 e poucos anos na Palateia.

Foi assim que nos sentimos durante a maioria dos momentos naquela reserva, onde percebemos que existe uma paz que só a natureza pode dar e que “o melhor dos lugares são as pessoas”.

Passeio dos Famosos
R$ 200 (para duas pessoas)
Passeio dos Famosos
R$ 200 (para duas pessoas)
Maceió > Barra de São Miguel
(transporte complementar)
R$ 5 (por pessoa)
Maceió > Barra de São Miguel
(transporte complementar)
R$ 5 (por pessoa)
Estadia em Hostel
R$ 49 (por pessoa)
Estadia em Hostel
R$ 49 (por pessoa)
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